quarta-feira, 25 de março de 2020

Ensino à distância: Inovação ou prática pedagógica tradicional em meios digitais?



Em tempos de pandemia a modalidade de Ensino à distância tem sido uma possibilidade para dar continuidade aos estudos e à formação no período de quarentena. De fato, a EaD tem características peculiares que viabilizam o ensino de uma forma inovadora e sem deixar de lado a qualidade. No entanto, uma preocupação que permeia o atual momento em que se discute a adoção dessa modalidade de ensino é quanto à ruptura com as práticas mais tradicionais as quais o sistema de ensino ainda está imerso. 
Decerto que o uso das tecnologias podem contribuir muito no processo de implantação da modalidade de ensino à distância e, com referência à adoção das tecnologias, pretende-se que sua utilização vá além da escolha de um ambiente virtual, mas que toda ação e planejamento pedagógico estejam pautados em uma concepção que compreende o aluno como protagonista no seu processo de aprendizagem.
O que tem se observado na prática, salvas algumas situações, é a preocupação de muitos profissionais da educação quanto ao que colocar nos ambientes virtuais. É preciso salientar que um AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) não é um repositório de arquivos (as chamadas folhinhas de atividades ou resumos de conteúdos), também não é caracterizado como um espaço onde se transpõe a didática tradicional em meios virtuais. 
É preciso observar o risco de virarmos apenas profissionais conteudistas e é importante que não percamos nosso foco na aprendizagem. 
Existem muitos recursos digitais, visto que a cada dia surgem mais e mais aplicativos que podem ser utilizados no âmbito educacional, mas a preocupação que precisa existir é quanto a sua adoção e coerência em relação aos objetivos de aprendizagem. Não é a tecnologia pela tecnologia que faz a ação pedagógica ser inovadora, mas é a ação pedagógica e a metodologia adotada que vai incidir ou não a inovação ao utilizar uma tecnologia digital.
Assim como o livro, que é uma tecnologia não digital, as tecnologias digitais devem estar em consonância com a proposta pedagógica e aquilo que se pretende alcançar em termos de ensino e aprendizagem.
Existem questões metodológicas que devem ser respondidas ante à adoção da EaD. Questões que implicam diretamente na qualidade do que se pretende oferecer e aos objetivos aos quais se pretende atingir.
Algumas questões podem ser analisadas se pensarmos o quanto ainda somos parte de um sistema de educação pautado em estratégias ainda massivas de transmissão de conteúdos, com exigências de mensuração quantitativa do aprendizado como predominante sobre os aspectos qualitativos do desenvolvimento cognitivo. Como exigir agora, em meio ao caos social, que professores que foram até então cobrados a seguirem à risca o um sistema de ensino ainda com aspectos muito tradicionais, que se construam suas aulas em ambientes virtuais? Somos parte de uma comunidade escolar com características que atribuem aos professores responsabilidades que são das famílias, infelizmente ainda assim. Talvez o dito isolamento social, consequente da pandemia que assola o mundo, nos ensine muito mais do que solidariedade, mas imponha às famílias e, principalmente aos gestores públicos responsáveis diretos por implantar estratégias, metodologias, regras, etc. aos sistemas de educação a responsabilidade real com a educação e a formação das pessoas, incluindo novas propostas de formação continuada e reestruturação nas escolas que, por sua vez, em larga maioria, não possuem mecanismos eficazes e as condições essenciais para inovar o processo de ensino por meio da adoção das tecnologias digitais.
As dificuldades que muitos profissionais vão enfrentar agora são as sequelas de um sistema que ainda exige métodos de ensino e não cria metodologias adequadas, nem tampouco investe na formação desses profissionais e na estrutura de trabalho necessária.
Atendemos uma geração da era digital, os nativos digitais que muitas vezes não estão preparados para usar o "digital" para o próprio crescimento intelectual. 
Em suma, o momento, mais do que nunca, é de responsabilidade coletiva, uma vez que a EaD, embora já seja adotada em muitas instituições de ensino superior, requer organização, metodologias adequadas, disciplina, entre outras coisas, exigindo a participação e a responsabilidade de todos os agentes envolvidos, principalmente quanto à adoção desta modalidade no Ensino Fundamental. 
Quanto a minha posição sobre a implantação da EaD: reconheço e valorizo todo o potencial do Ensino à Distância, mas preciso salientar a preocupação com as sequelas que podem surgir da oferta de uma EaD inadequada, com uso de um ambiente virtual de modo meramente tradicional, expositivo, anti-democrático, apenas conteudista e como espaço de depósito de arquivos ou links sem finalidade com o contexto educacional.
Esse é o momento de pensar o quanto é importante e urgente investir no professor. Não há ensino sem a ação docente, ao contrário do que muitas pessoas supõem de que a EaD vai substituir o professor. Um ensino de qualidade, mesmo na modalidade EaD, depende da ação docente. A ação docente mais adequada é aquela que vem de um profissional que está preparado ou que busca aprimorar-se em função das demandas.